12 de setembro de 2013

Alta taxa de desistência na universidade causa déficit de engenheiros

Além do problema da evasão, apenas metade dos formados em engenharia atua na área. Governo estuda “importar” profissionais estrangeiros.
Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo / Área de interesse conduziu José Carlos para o curso de Engenharia Civil: exceção à regra
Área de interesse conduziu José Carlos para o curso de Engenharia Civil: exceção à regra
Apenas em 2011, o Brasil deixou de colocar 60,3 mil engenheiros no mercado de trabalho. EsSe foi o número de matriculados em cursos de Engenharia que abandonou as aulas ao longo da graduação. A alta taxa de evasão, de 57%, tem aumentado nos últimos anos e é um dos fatores que contribuem para o déficit de profissionais no país, principalmente no setor público.
Não bastasse a desistência ainda na universidade, estudos mostram que apenas 48% dos engenheiros atuam na área após formados – porcentual que chega a 80% para médicos e dentistas, por exemplo. Para entidades de classe, a evasão e a baixa atuação na área – aliadas aos tímidos salários oferecidos no setor público – demonstram que o governo federal mira no alvo errado ao sugerir a contratação de engenheiros formados no exterior para atuar nas cidades brasileiras, na linha do programa Mais Médicos. A proposta está em fase de avaliação pelo Palácio do Planalto.
A falta de corpo técnico especializado nas prefeituras é apontado por gestores municipais e governo federal como o principal limitador ao acesso de verbas para obras e investimentos. Sem profissionais para elaborar projetos básicos e executivos consistentes, os gestores não conseguem pleitear recursos da União.
Segundo estimativa da Federação Nacional dos Engenheiros, o mercado de trabalho precisaria de pelo menos 60 mil engenheiros por ano, levando em conta um “cenário de expansão econômica”. No entanto, em 2011, 42,8 mil engenheiros se formaram no Brasil, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Deficiência
Esse déficit poderia ser eliminado com folga caso a evasão nos cursos de Engenharia diminuísse ao menos pela metade. De acordo com estudo do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia, a principal causa das desistências é a deficiência na formação básica dos estudantes em Matemática e Ciências – disciplinas que permeiam grande parte das aulas dos futuros engenheiros.
“Muitos estudantes entram na faculdade e não conseguem acompanhar as disciplinas ligadas a cálculos. Aí, acabam desistindo porque não tiveram uma boa base”, resume o presidente da Federação Interestadual de Sindicato de Engenheiros (Fisenge), Carlos Roberto Bittencourt.
A dificuldade em arcar com o custo da mensalidade nas universidades privadas – onde a taxa de evasão é de 60%, contra 40% nas públicas – e a falta de experiências práticas durante os cursos também são vistos como fatores desmotivantes.
Dilemas assustam futuros projetistas
Não é difícil entender os motivos que levaram o estudante José Carlos Bezerra Filho a optar pela Engenharia na hora de prestar o vestibular. Desde o ensino médio, o rapaz tinha intimidade com as disciplinas de Ciências Exatas, como Matemática e Física. No tempo livre, assistia a programas de tevê que detalhavam a construção de grandes pontes, prédios e ferrovias. O interesse pelos cálculos e projetos mirabolantes só cresceu e aí não deu outra.
Hoje, aos 24 anos, José Carlos cursa o terceiro período de Engenharia Civil na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Fora da sala de aula, atua em posições-chave de dois programas do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR) e do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR), ajudando a promover palestras, oficinas e visitas técnicas para estudantes de Engenharia. É inclusive membro dirigente, eleito pelo voto de outros acadêmicos, do Crea Júnior, programa que tem o objetivo de aproximar os estudantes da realidade profissional.
Ele diz quer o mercado de trabalho e a remuneração salarial são alguns dos principais dilemas compartilhados pelos futuros projetistas. “Muitos alunos entram na faculdade pensando em atuar na área de construção pesada, no setor público. Mas, ao conhecerem os salários, se sentem desmotivados”, afirma. “Aí ou vão para o setor privado ou nem exercem a profissão. Quando deveria ocorrer o contrário. O Brasil hoje é um país carente de infraestrutura e precisa de bons profissionais nessa área”, completa.
Salário de engenheiro civil cresce 21% em uma década
Estudo conduzido pelo Ph.D. em Economia Naercio Menezes Filho, do Instituto Insper, revela que a profissão de engenheiro civil foi uma das ocupações que mais registrou crescimento salarial real ao longo da última década, com um aumento de 21%. Por outro lado, as engenharias de modo geral registraram queda na participação total entre o número de acadêmicos formados no país. Para Menezes, o cenário mostra que, nesta área, a demanda está aumentando mais rapidamente que a oferta e, portanto, há uma maior necessidade dess es profissionais.
A falta de engenheiros, no entanto, não é consenso entre as entidades representativas. Para a Federação Interestadual de Sindicato de Engenheiros (Fisenge) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), há uma menor oferta de mão de obra em segmentos específicos como gás, petróleo e minério. A distribuição dos profissionais também é encarada como um entrave. Hoje, conforme registros do Confea, apenas três estados – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – concentram 70% dos engenheiros civis em atuação no Brasil.
Entidades dizem que proposta é “equivocada”
Apesar de reconhecer que há déficit de engenheiros no mercado de trabalho, a Federação Nacional de Engenheiros (FNE) foi a primeira entidade a criticar a proposta do governo federal de trazer profissionais formados no exterior para atuar nas prefeituras. A iniciativa ainda estaria em fase de estudos e não é comentada oficialmente pelo governo.
Para a FNE, a proposta é “equivocada” e “nada justifica a importação de engenheiros para resolver o problema”. Tanto a Federação quanto o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) reforçam que a ida dos profissionais ao setor público poderia ser fomentada com melhores remunerações e implantação de planos de carreira. Hoje, o piso dos engenheiros estabelece um salário-base mínimo de R$ 6.102 para uma jornada de oito horas.
Não há obrigação legal, porém, para que os concursos feitos pelas prefeituras levem em conta esse valor na hora de estabelecer a remuneração. E é aí, conforme representantes das entidades, que surgem as distorções, com municípios chegando a oferecer menos de um terço do piso, entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil.
“O que há é um desajuste em relação à capacidade das prefeituras em pagar um salário digno ao engenheiro. Até porque a demanda por serviços técnicos, de elaboração de projetos, não tem o mesmo caráter de outras demandas, como a saúde e a educação. Assim, a formação de um corpo técnico não vira prioridade”, afirma o assessor de políticas publicas do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Valter Fanini.

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